quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Confissões

O desespero lhe subiu pelas veias.
Um desespero perdido, vazio.
Ela se culpava pelo passado, se decepcionava com o presente e sonhava com o futuro.
No fundo, o seu coração batia como o de todos os outros.
Ela procurava ser fiel a si mesma, sem saber quem era si mesma.
Culpando a qualquer um, ninguém havia lhe dado espaço para pensar, crescer, querer. Mesmo adulta em números, ela tinha o sentimento incômodo de ainda ser uma criança sendo cuidada.
Ela sonhava em rasgar tudo. Partir toda a cera dura de uma vez e sentir suas pernas andando, seus músculos esticando.
O turbilhão embaixo se sufocava com o medo encima, com suas mãos segurando seu peito e seus pulmões, onde o ar não entrava o suficiente.
O medo de não saber; o medo de não ter certeza; o medo de se decepcionar; o medo de se arrepender; o medo de não ser mágico.
E como se atolado na lama, seu corpo não se movia para a frente, impotente.
E nada continuava a acontecer.

Rostos

Ela perdeu o rosto. Ele simplesmente caiu, não se sabe muito bem como. Agora, onde deveria estar o seu rosto havia apenas um pedaço de pele moldado pelos cachos negros que caiam pelos lados.
Só quando chegou em casa se deu conta de que havia perdido aquela parte não tão importante, pelo que as circunstâncias parecem fazer crer. Agora ela apenas se sentava em frente ao espelho, tentando se lembrar onde estava quando provavelmente perdeu aquela coisa que realmente nunca teve uma forma muito bem definida antes por falta de tempo, realmente.
O espelho refletia sua imagem impecavelmente. O reflexo era mais bem definido que a própria realidade. A superfície plana parecia um buraco oco no meio da casa quente e aconchegante onde nada aconteceria, onde tudo sempre estaria bem, em contraste ao mundo meio disforme e incolor do lado de fora da janela. Aquele mundo onde rostos e copros se perdiam sem nunca achar o caminho de volta, em um fluxo interminável de um não-sabe-se-o-que que costuma ser um monte de pessoas andando, mas que normalmente parece só uma massa única e quase etérea.

sábado, 24 de março de 2012

Tornado

E o tempo passou e eu não sei onde eu vim parar, assim como a Dorothy e o Totó quando foram levados pelo tornado. Eu voei e voei e voei, fui levado por cada tempestade que passava, por cada vento que soprava, queimei com cada raio de sol e me molhei com cada gota de chuva, mas ainda não sei onde eu vim parar. E mesmo perdido, continuo andando, desafiando o sr. Destino que decidiu me dar uma provação daquelas. Eu, corajoso, olho para a cara dele e dou altas gargalhadas só para deixá-lo nervoso. Mas, no fundo, eu sei que o momento de tormenta atual é só o começo. O futuro trará coisas piores e é bom eu estar preparado para elas.


quarta-feira, 14 de março de 2012

Palavra

Algumas pessoas tem um certo discurso de respeito a opinião alheia e tolerância com as diferenças, mas, normalmente, eu não vejo essas pessoas agindo da mesma forma que dizem pensar. Daí, se você chega e tenta ter uma conversa sincera com ela, dando suas opiniões e tentando abrir o diálogo, elas ou te ignoram ou criam uma enorme rede de violência gratuita sobre você. Até certo ponto, eu me esforço pra manter a calma, mas, infelizmente, eu herdei o sangue quente da minha mãe querida, então a calma não dura por tanto tempo como eu gostaria. A partir daí, eu prefiro engolir o orgulho, acalmar esse sanguinho quente e sair, mesmo sabendo que a última palavra não foi minha. A propósito, a última palavra não precisa ser sempre minha. Com mais algum tempo e esforço, eu vou aprender a entender isso melhor.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Transcender

Ela estava sentindo o vento frio batendo em seu rosto, na sacada da biblioteca. O vestido preto acompanhava os movimentos do ar. Sua pele estava vermelha, seus lábios brancos, os olhos fechados. Ela tinha os maxilares fortes, inflexíveis, com linhas bem definidas.

Ela ia mudar o mundo. O céu escuro se abria infinito na sua frente, como um enorme titã pronto a engoli-la e rouba-la de todos os seus sonhos. O vento batia cada vez mais frio, as estrelas e a lua brilhavam como faróis acesos. Ela abriu os olhos escuros, refletindo o céu, cheio de espaços vazios e insignificantes.

Ela ia pular da sacada. Sua vida estava um turbilhão, um desastre, uma via sem saída. O bosque escuro lá embaixo parecia não ter chão. Parecia o precipício em que ela pularia e se libertaria, se elevaria, se transcenderia. Ela gostava dessa palavra: transcender. Era a palavra dela. Sim, porque todos tem uma palavra para chamar de sua, uma palavra que defina cada momentinho da sua vida e cada canto da alma. A dela era transcendência.

Ela ia transcender. Ela ia pular no precipício, enquanto olhava para o céu sem fundo, tão assustador por isso. Ela ia fugir do seu corpo e ia para uma terra maravilhosa de sonhos e liberdades.

Ela se virou, deu as costas para o escuro, fechou as cortinas da sacada, pegou uma blusa, desceu para o primeiro andar e saiu de casa. Ela foi andando até o bosque e lá entrou.

Cortando a noite, ela foi cortando o bosque, em busca da transcendência, em busca do imortal, em busca de uma resposta para a única pergunta que ela tinha. Conforme se aprofundava na mata, tudo que encontrava era mais escuridão, eram mais árvores. Quando não aguentava mais andar e o sol já tentava invadir o bosque por entre as copas das árvores, ela se sentou em uma pedra e finalmente permitiu a si mesma sentir a tristeza e a agonia que, até então, se seguravam escondidas dentro dela.

Ela não encontrou nada no bosque. Não encontrou o mundo mágico que queria, nem os seus sonhos, nem as suas respostas, mas apenas um bosque. Dentro do bosque, havia o bosque e nada mais.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Saber o que quer e vulnerabilidade

Saber exatamente o que quer, sem tempo para hesitar, é difícil. Não difícil de existir, mas difícil de se praticar. Principalmente sob pressão, naqueles momentos em que você sabe que a sua habilidade de saber o que quer é o que está segurando a todos e uma pequena falha pode por tudo a perder.

Segurança, auto-estima e um tanto de orgulho são essenciais para aprender a levantar a cabeça e saber o que se quer sem temer represálias. Eu ia dizer "sem temer estar errado", mas mudei de ideia, exatamente porque, saber o que quer significa saber que sempre há o risco de estar errado e de ter cometido o maior erro da sua vida.

***

Descobri, de ontem para hoje, que prefiro infinitamente caminhar a andar de carro. Caminhar, e caminhar bem, exige um certo esforço e um certo sacrifício. Quando se caminha, preconceitos são estritamente proibidos. Conheço várias pessoas (eu também já tive esse hábito) que caminham por certos lugares, mas sem prestarem atenção em nada, sem se conectarem com o lugar, simplesmente por medo, por preconceito com o lugar e com as pessoas dali. Quando se caminha, precisa-se estar disposto a sacrificar sua área de conforto com o objetivo de se conectar com o lugar, de o olhar sem medo, de não ter preconceitos com ele ou com as pessoas que estão ali. Precisa-se estar disposto a se abrir e a se tornar vulnerável ao novo, ao que está fora de tudo aquilo que você conhece e está acostumado.

Esta sensação de vulnerabilidade é uma das melhores experiências do mundo. É ela que ensina que não somos invencíveis e podemos ser atingidos por qualquer coisa, antes mesmo que a vejamos chegar, mas mesmo atingidos, mesmo machucados e invadidos, continuar a andar é a única solução. Quando estamos vulneráveis e dispostos a nos machucar, dispostos a perder,  descobrimos fraquezas que não sabíamos que existiam e fraquezas que achávamos que tínhamos, mas não passavam de mimimi de gente que não saí para conhecer a rua da própria casa.

***

Acho que sem querer escrevi duas coisas que talvez estejam profundamente relacionadas. =D

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Queimadas

No dia 12 de Fevereiro eu fiz aniversário. Logicamente, não fui o único. Outras pessoas também fizeram aniversário, e, ao contrário de mim, ganharam uma festa e presentes. Em um desses casos, um homem decidiu dar um presente a um outro homem, irmão dele. Um presente a altura do que eles eram, homens: uma mulher para estuprar.

Um grupo de sete homens, entre eles, os dois irmãos e alguns amigos, planejaram uma festa de aniversário, onde eles iriam encenar um assalto e estuprariam as mulheres da festa, com exceção de duas, que eram namoradas de dois dos mandantes do futuro estupro coletivo(vocês sentem a dimensão desse termo?). Então, no dia 12 de Fevereiro, enquanto eu era acordado de madrugada para receber parabéns por telefone, sete homens estupravam seis mulheres, todas conhecidas, colegas de trabalho deles. Duas dessas mulheres conseguiram identificar os estupradores, provavelmente arrancando a máscara que um deles usava. Essas duas mulheres foram assassinadas.

E essa não é a primeira vez em que eu me pego tendo nojo e vergonha de ser homem. Não, não é nojo e nem vergonha alheia, é nojo e vergonha de mim mesmo. É nojo e vergonha de saber que eu pertenço à mesma parcela da sociedade responsável por casos como o de Queimadas.

Eu não consigo imaginar como um grupo de sete homens, entre eles pessoas próximas às vítimas, tenham friamente planejado tudo o que foi feito. Eu não consigo imaginar como, em um grupo de sete homens, nenhum deles, um, apenas um, não tenha parado e não tenha dito não. Apenas UM que tenha se dado conta do que eles estavam prestes a fazer, poderia ter sido o suficiente para impedir, nem que fosse indo à polícia e denunciando.

Como sete homens, vendo o terror estampado nos rostos daquelas mulheres, foram capazes de estuprar e matar, sem ter parado para pensar, sem ter parado para considerar o que era tudo aquilo? Muito provavelmente, eles estavam imaginando que aquilo era apenas uma brincadeira de homens. Calma aí, pessoal, é só uma brincadeira! É só uma piada, ha ha!

Uma brincadeira cujo brinquedo eram as mulheres. Mulheres que foram estupradas e foram mortas. Mulheres que eram conhecidas, "amigas", daqueles homens.

Mulheres que, como sempre, foram vistas, foram usadas como objetos sem valor, sem consciência, sem desejo, sem medo, sem uma vida inteira nas costas. Eram mulheres que trabalhavam, estudavam, tinham família, tinham sonhos, tinham relacionamentos, tinham suas mágoas, tinham suas felicidades, mas que, naquele momento, não passaram de objetos que não chegaram ao nível da masculinidade daqueles homens. Não eram dignas do respeito das criaturas superiores que são os homens (sim, eu estou sendo irônico). Mulheres que não valeram mais que o desejo sexual, o desejo de "provar que sou Homem", não valeram mais que um presente de aniversário.

Blogagem coletiva de repúdio ao caso de estupro como presente de aniversário.

Alguns links sobre o assunto:
http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2012/02/estupros-como-presente-de-aniversario.html
http://www.renatacorrea.com.br/ser-paga-ou-ser-pega-a-logica-da-propriedade-e-o-estupro-de-queimadas
http://blogueirasfeministas.com/2012/02/chamada-blogagem-coletiva-repudio-estupro-presente/
http://borboletasnosolhos.blogspot.com/2012/02/este-post-faz-parte-da-blogagem.html