segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Universo

A árvore seca, sem folhas, símbolo de um passado vazio, melancólico e sujo de inseguranças, pegou fogo, incendiou-se, mas era um fogo verde, verde de folhas de uma primavera que vem a frente.

Mas a mulher ainda tem medo de olhar para trás e encarar quem a olha pelas costas; encarar a si mesma. Ela sabe que era ela quem deveria estar vivendo, mas o seu corpo não é seu.

Ela vai ao fogo, e ela vai se queimar, se assim for necessário para se amar. Que o fogo caia como água, e como água, lave seu corpo, limpando-o do demônio que ela representa. Que o mundo afunde em si mesmo, que o universo ecloda, que o nada se torne real, que o vazio mostre que existe no seu âmago, no seu espírito, e os sete demônios deixarão a chama em paz. E deus mostrará sua face e eu serei o que eu nasci para ser.

Grito Negro - Mário de Andrade

Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão

Eu sou carvão!
E tu acendes-me patrão
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão
Eu sou carvão
e tenho que arder, sim
e queimar tudo com a força da minha combustão

Eu sou carvão 
tenho que arder na exploração
arder até as cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão
até não ser mais a tua mina, patrão
Eu sou carvão
Tenho que arder
queimar tudo com a força da minha combustão

Sim!
Eu serei o teu carvão, patrão!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Ela cresceu, cresceu e cresceu. Enquanto andava, seu vestido azul esvoaçava, seus pés descalços pisavam a terra, o mato selvagem.

Com as duas mãos ela jogou suas ondas castanhas para trás, depois jogou a cabeça como uma leoa; o sorriso faceiro, malandro, os olhos negríssimos brilhando.

Ela andou por duas longas horas em meio as árvores até achar uma pequena clareira, iluminada pelo Sol. Ela rasgou o vestido que cobria seus seios. Pondo a mão dentro de onde havia rasgado, tirou um coração batendo e sangrando. Com a boca ela arrancou todas as artérias, uma por uma.

Com o rosto ensanguentado e a boca metálica, ela se ajoelhou sobre a terra, sobre o mato, sobre a pedra, sobre o galho, e com as mãos que pousaram o coração batendo, cavou um buraco à sua frente e enterrou o coração, pisando na terra que depois jogou por cima.

O silêncio era o Rei.

Todo seu corpo começou a dançar, a vibrar, a suar, a pular, a sorrir, a chorar. Sobre a terra seu corpo ria e chorava; dançava, dançava e dançava. Era uma explosão, um furacão. A Natureza estava ali conspirando a seu favor; A Vida estava ali conspirando a seu favor; O Silêncio estava ali conspirando a seu favor. A vibração, a tensão estava no ar, que se repuxava por todos os lados. E a cabeça dela se jogava de um lado para o outro, ela sorria e os cabelos voavam. Toda ela girava como a loucura em si. O vestido se abria e pulava com ela, como um reflexo do seu corpo. Ah, seu corpo tão consciente de si, tão ardente, tão se desejando, tão se amando. A terra se misturava ao sangue dos seus pés, se tornando parte dela, se ligando a ela, e a energia fluía e se jogava, se espalhava, se esbanjava.

O Céu estava ali, a olhando do alto, a recebendo, sentindo-a chegar cada vez mais perto.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Ela abriu as suas asas, alvas como apenas as suas asas podiam ser. Seus delicados pés descalços se levantaram nas pontinhas dos dedos, como fazem as bailarinas do Bolshoi.

Seus braços se armaram, seguindo a direção das asas, e aos poucos seus músculos foram relaxando, relaxando; relaxando foram os músculos do braço e das pernas - mas sem trair sua posição. Depois foi descendo pela espinha, relaxando os músculos do peito e da barriga, em um trajeto libertador.

O Ar, seu amigo, a acariciava no rosto, entre as pernas nuas, na barriga e nos seios puros. Passeava pelo seus braços e fazia cócegas nos seus pés. Ele soprou sua nuca, e levantou seus cabelos negros e curtos.

A mente dela começava a limpar, se abrir, a se lavar. Sua cabeça, antes lotada de pensamentos, agora esvaziava aos poucos. As imagens e os sons eram bloqueados.

E sua cabeça esvaziava, esvaziava, esvaziava, esvaziava...






























... esvaziou e ela pulou.

Pulou sem nem sentir, caiu em queda livre. O Ar, seu amigo, soprou com força e delicadeza, combinação que apenas à ele é permitida, estufando as asas dela.

De uma só vez, as asas a puxaram para trás, depois ela rodopiou, rodopiou e rodopiou até o vento soprar outra vez, mas desta vez como quem diz:

- Vai! Seja livre! Voe e voe, e nunca mais volte, pois eu sacrifico meu amor por ti como o preço a pagar por sua liberdade. Vai! E voe como um pássaro, uma fênix, um anjo. Não irei contigo. Esta jornada será solitária, deixar-te-ei para todo o sempre, pois é isso que mereço, é isso que mereces. Vai! E conheça a solidão, que é épica, que ama a todos como ninguém, que amar-te-á como eu te amei.

E ela planou com as asas abertas, sem levar aquelas palavras no coração, mas carregando um sorriso que já dizia tudo. O sorriso do amor que apenas uma anja pode ter. Um amor que, de tão grande, se deixou ir, sem uma vez olhar para trás, sem uma vez derrubar uma lágrima, mas amando, para sempre amando.
Desejar alguém que não se pode ter é um dos cânceres da humanidade. É aquele sentimento agonizante como o fogo, que deixa um espaço aberto no meio da barriga, ou melhor, é como um polvo que se amarra ao redor da barriga, joga um dos tentáculos no coração, outro (o melhor) lá no ventre, e puxa tudo de uma vez. Pode parecer masoquista, mas a dor de se desejar alguém que não se pode ter é uma dor prazerosa, que dá gosto, faz tudo se mexer, se avivar, é oxigênio no fogo.

O problema é quando o desejo não correspondido se torna paixão não correspondida. Aí é água no fogo, é um gelo, é uma agonia odiosa, que retesa os músculos e abre todo o seu corpo. O polvo vai embora e deixa nada no lugar. Ah, os meu platonismos ainda me matam!

E quando a gente se sente correspondido? Fica tudo mais colorido, né? Até seu dente torto parece uma graça no espelho! Depois a gente esquece Platão e a vida dá um oi...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Nota de solidariedade à família do jovem assassinado na Paraíba

Por Jean Wyllys

08/08/2011

Eu, Jean Wyllys, deputado federal que defende a causa de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros (LGBT), entre outras, venho através desta prestar solidariedade à família de Marx Nunes Xavier, um jovem de 24 anos, que, ao tentar evitar que dois homens agredissem um homossexual foi assassinado na Praia do Jacaré, em Cabedelo. Estendo minhas simpatias também à família do jovem a quem Xavier tentou proteger.

Esse crime que chocou a Paraíba na manhã desta segunda-feira (8) trouxe novamente e da maneira mais trágica possível, a discussão da homofobia às manchetes dos jornais. Junto com o recente caso de um homem de 42 anos que teve mais de metade da orelha decepada ao ser confundido, ele e o filho, com um casal gay, a morte desse jovem explicita a urgência e a importância da aprovação de uma lei que criminalize a homofobia e proteja a população de crimes motivados por ódio, intolerância e preconceito.

Quando essa intolerância e preconceito passam a atingir também os nossos aliados fica mais do que nunca claro de que precisamos pensar na pauta de LGBTs como uma pauta de direitos humanos e não uma exigência descabida de uma minoria. Precisamos assegurar os direitos de todos os cidadãos e cidadãs brasileiras de ir e vir.

Não se trata apenas de punir o crime em si, mas sim de atacar as circunstâncias, os discursos homofóbicos e fundamentalistas que incitam esses assassinatos brutais. Incitar o ódio faz do incitador um cúmplice. O que fanáticos e fundamentalistas religiosos mais têm feito nos últimos anos é violar a dignidade humana de homossexuais através de seus discursos de ódio.

Os números do Grupo Gay da Bahia e da Anistia Internacional que registram que um homossexual é morto a cada dois dias (das 260 mortes contabilizadas em 2010, 46% ocorreram no Nordeste) mostram a importância de se aprovar o substitutivo que está sendo construído Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT. O texto final do substitutivo, com nome tentativo de Lei Alexandre Ivo será apensado ao PLC 122 e esperamos que seja votado em outubro. O legislativo não pode mais se omitir.

A defesa da Dignidade Humana é um princípio soberano da Constituição Federal e norte de todo ordenamento jurídico Brasileiro. O limite da liberdade de expressão de quem quer que seja é a dignidade da pessoa humana do outro. Precisamos impor limite a esses abusos e assegurar a dignidade do povo brasileiro.

*Jean Wyllys – Deputado federal

Aqui tem um link direto para o blog do Deputado Federal Jean Wyllys, onde este texto foi postado originalmente:

http://jeanwyllys.com.br/wp/nota-de-solidariedade-a-familia-do-jovem-assassinado-na-paraiba-08-08-2011

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Almond Blossoms - Vincent Van Gogh

Post duplo - A Santa; O Fanático

Esses dois contos são super antigos, mas eu lembrei deles enquanto escrevia o do post anterior, então lá vão os dois ao mesmo tempo.

A Santa
Era uma vez, uma Igreja. Esta igreja tinha um belíssimo vitral com a imagem de uma santa.
Esta Santa todos os dias olhava aquelas pessoas que entravam na sua igreja, lá do seu vitral, e por incrível e ruim que pareça, ela não se compadecia de nenhum sofrimento e não se alegrava com nenhuma vitória, além de às vezes achar o livro que o padre lia um verdadeiro absurdo.
Uma dia ela começou a se sentir realmente estranha, e o que ela se deu conta a deixou temerosa: ela se deu conta de que não se compadecia com nenhum sofrimento exatamente porque sentia prazer neles; não se alegrava com nenhum vitória, se enraivecia com elas; além de atender apenas as promessas que se referiam ao pior do Ser Humano. Isso a deixou um pouco triste, também, porque, afinal, não é assim que se espera que uma santa seja.
Constatando tudo isso, a santa do vitral decidiu ir embora da Igreja - infelizmente, quando ela tomou essa decisão era a hora da missa.
Quando a igreja não podia estar mais cheia, o vitral começou a se rachar com estrondo nas linhas que marcavam a imagem da Santa da paróquia, que então, simplesmente desceu (com toda elegância, obviamente) do vitral e saiu andando como se não fosse mais que um pedaço de vidro.
Os fiéis não sabiam como entender aquilo. Um milagre de deus ou uma manifestação do diabo? E como nos momentos de dúvida o melhor é sair correndo, os fiéis e o padre esvaziaram a igreja.
Do lado de fora, a luz do sol se refletia na santa, que já havia, precariamente, alcançado a escadaria que a levaria atá a rua, e de lá só deus sabe.
Algum fiel incrivelmente corajoso e temente a deus pegou uma barra de ferro e decidiu dar um fim naquela representação demoníaca.
A Santa não se sentia bem. Ela se sentia exposta e envergonhada com todas aquelas pessoas na praça em frente a igreja olhando-a como se fosse uma aberração da natureza, até que viu um belo jovem correndo com um pedaço de ferro na mão.
Ele acertou-a em cheio, quebrando-a em pedacinhos.
Os cacos tocados pelo milagre se espalharam pela calçada.


O Fanático
Um turbilhão de coisas passava pela sua mente. Um turbilhão de coisas ruins passava pela sua mente.
A violência, a ignorância. Pecados, crimes, vandalismo, drogas. Por que as pessoas faziam isso? Por que eles matavam, mentiam, batiam? Por que eles estupravam, abortavam? Pedofilia? Zoofilia?
Sequestro? Tiros? Qual era o gosto que eles tinham por sangue? Sofrimento?
Mas o real problema se duplicava, porque além de existir gente capaz de fazer o mal inconsequentemente, existiam aqueles que não faziam o mal, mas defendiam e incitavam.
Ele não era claro o suficiente? Não existiam homem e mulher? Onde está o casamento? A família? As mães e donas de casa? Valores?
A exterminação já havia chegado uma vez. Chegaria outra. Chegaria outra?
O cansaço lhe invadia. As lágrimas afogavam seus cândidos olhos.
Devo acabar com isso? Matar-me e não ver mais? Não! Valores? Valores! Matá-los? Exterminá-los? Seria o certo? Acabar com o mal? Ele era um servo. Ele seria um servo? Matá-los? Matá-los!
Matá-los? Sim!
Ele quer. Eu sei.
Ele sabia.
A arma levantou e os gritos não tiveram tempo de correr.

(Qualquer semelhança com algum caso bem macabro que tenha acontecido a pouco tempo é só coincidência mesmo, rsrs)