sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Um conto épico

Para ouvir enquanto lê




Ele coçou os cabelos sujos, fungou e olhou pra baixo, para as pernas cruzadas no melhor estilo "índio" de ser. Pernas com calças imundas de barro endurecido. Mesmo depois de cortar a noite acordado, ele ainda pensava em como ia escapar das correntes amarradas nos seus tornozelos e presas ao chão de terra batida.

Ele coçou o pescoço olhando para as grades ao seu redor, com um misto de cinismo e conformismo. Suspiro. As mãos caíram como mortas no chão. A cabeça ficou caída por cima do peito.

- Ai, ai.

Ele levantou. Suas roupas estavam podres. Sua camisa quase não mais existia, deixando a mostra um peito coberto de barro e sangue secos.

Do lado de fora da prisão de pedra e metal, rodeada pelo mais bravio dos mares, centenas de soldados vigiavam as águas e os céus a procura de qualquer ameaça.

Longe, bem longe, onde a vista dos guardas não podia alcançar, um enorme navio estava ancorado, esperando uma decisão. Dentro dele, uma mulher, vestida como homem, com duas espadas na cintura e olhos fundos como um precipício, se debruçava sobre um enorme mapa daqueles mares e suas terras. Três homens à sua frente a olhavam também esperando uma decisão.

Do outro lado da prisão, paralela ao navio e tão distante quanto, uma mancha verde começou a subir em espiral, da mais profunda vala daqueles mares, até a superfície, formando uma espécie de crosta na superfície da água. Ele também estava esperando.

Longe da ilha, longe dos mares, fossem quais fossem, em um outro castelo, muito mais bonito por fora, uma mulher, vestida como rainha, olhava pela janela dos seus brancos aposentos, com os braços cruzados sobre a barriga. Toda ela refletia a luz do sol, tanto na sua pele sem cor alguma, quanto no seu cabelo loiro, quanto nas suas vestes alvas. Em outro aposento, na ponta de uma mesa de metros de comprimento, um homem, vestido de rei com uma longa e majestosa capa vermelha, dava ordens.

- Preparem o navio para buscá-lo imediatamente, antes que o indesejável aconteça.

Uma lágrima escorreu pelo rosto da rainha, que não fazia a menor ideia do que iria acontecer.

Uma das carruagens reais, carregando o capitão do navio real, com cinco cavalos, saiu na sua máxima velocidade em direção ao mar.

A mulher vestida de homem se levantou, olhou para os três homens à sua frente.

- A resposta é sim.

Os três homens saíram correndo pelo navio, gritando ordens, puxando cordas, pondo o trabalho a todo vapor.

A mancha verde começou a aumentar e escurecer. Do seu centro, uma pequena rachadura apareceu e foi se alastrando aos poucos, depois aos montes.

O capitão chegou ao seu navio pronto para sair em sua total velocidade. O navio da mulher saiu em sua total velocidade. O ar cortava a madeira e os rostos de todos os tripulantes de ambos os navios.

A mancha verde já se rachara em todo seu perímetro. Seu centro, onde começaram as rachaduras, de repente se levantou e dali a criatura pulou para fora, se jogando para o alto, explodindo toda a crosta verde, inundando o próprio mar com ondas que chegariam em todas as ilhas ao redor. O mar se revoltou em um redemoinho enquanto os tentáculos do colossal meio homem meio besta clamava seus poderes, criando torres e colunas e chaminés de água azul, nuvens negras, céu vermelho e vento cinza. As escamas do seu corpo se eriçavam, o seu rosto se contraia todo em uma expressão difícil de entender.  Depois de toda a epifania marítima, ele parou, olhou para onde se encontrava a prisão e gritou o seu hino de poder divino e eterno, criando ondas gigantes que correram naquela direção, carregando seus pesados tentáculos verdes em uma velocidade até então desconhecida.

O homem encostou a cabeça nas barras de ferro, tentando ouvir alguma coisa em meio a tanto silêncio. Então, ele sentiu. Ele sentiu a vibração no ar, o cheiro a que ele estava tão acostumado. Seus pelos se arrepiaram e ele suspirou mais uma vez, sabendo o que deveria esperar, e sabendo que não era nada bom.

A mulher, no alto dos seus gritos de ordem pelo navio avistou o castelo sujo, caindo aos pedaços. Seus olhos se encheram de lágrimas, seu coração apertou, sua barriga esfriou, seus lábios sorriram. Ela olhava o castelo apaixonada quando quatro tentáculos abraçaram a ilha inteira de uma só vez, e a puxou para o fundo. De longe, ela via a parte homem se erguendo acima das torres, com seus tentáculos esmagando e batendo e puxando.

- PREPAREM-SE PARA ATACAR! ela gritou com toda a força do mundo.

Com uma das mãos, o monstro jogou a parte superior do castelo de lado. Ele abriu sua boca e soltou um grito agudo e rouco, olhando para dentro dos aposentos, procurando.

Apesar da mulher ter dado a ordem, o primeiro a atirar foi o navio real, com os seus incontáveis canhões, além dos incontáveis navios menores que vinham atrás, dando suporte bélico ao maior.

O navio de madeira negra da mulher começou a atirar também. Apesar de menos canhões, o navio negro era mais forte e resistente que o navio real.

E a ópera começou.

[continua]

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