sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
Emma - parte 1
Ela pôs o disco pra tocar, abriu as cortinas brancas, revelando a luz celestial do céu tardio. Segurando o pano extra do vestido de veludo verde, Emma foi até o outro cômodo e parou em frente a penteadeira, arrumando a colmeia que fez com os cabelos. Tomou mais um gole do drink que repousava ao lado da coleção de batons de tons claros.
Os olhos injetados de Emma viam seu reflexo sem enxergar muito bem. Ela deu um suspiro de derrota, deixando a cabeça pender um pouco pra frente. Ela se levantou, ajeitou a coluna, estufou o peito, ergueu o queixo. A essa altura, ela já parecia uma verdadeira estátua grega, com a maquiagem marcando bem o queixo, os olhos profundos e frios. Ela voltou para a sala com o drink entre os dedos e sozinha começou a dançar a balada que tocava, cantarolando as partes que sabia, imaginando que estava em uma grande apresentação, cantando para uma multidão infinita de gente escura.
Em alguma poltrona havia um casaco de pele de raposa, que ela logo pegou, no calor da empolgação, jogou sobre os ombros e continuou sua apresentação que entraria para a história. Ela parou no fim da música, exausta demais para performar a próxima. Olhou ao redor mais uma vez, protegendo os olhos da luz que entrava pelos vidros da janela. Ela foi pra cozinha, pôs o copo na pia meticulosamente limpa. A campainha tocou. Ela correu, da forma que era possível correr com um salto, enquanto se segura a calda de um vestido e de um casaco de pele, tentando não se despentear.
Ela parou a música (mas ela continuava tocando na sua cabeça) e abriu a porta com o sorriso mais esplendoroso que possuia. Ela se concentrou no que ia falar, se preparou para a voz perfeita:
- Na hora... - e abriu os dentes em uma cena particularmente sádica. - Entra.
Ele deu um passo e parou em frente a mulher, com o corpo rente ao dela, as bocas quase se tocando. Ele passou os braços ao redor da cintura dela e a puxou para si, dando-lhe um beijo francês ardente. Ela se deixou levar. Ele a levou até um divã e a deitou lá. Foi até a vitrola e pôs a música para tocar, depois foi à cozinha e preparou mais dois drinks para eles. Ela sentada, apenas observava.
Ele a entregou a taça e se sentou à sua frente.
- Então... onde você esteve esse tempo todo? - ela deu mais um sorriso, mas mais fraco, indagador, tímido, temeroso com os olhos baixos, vergonhosos de olhar pra cima.
- Te sustentando. - Ele respondeu olhando pra fora, daquele jeito descontraído característico dele.
-Ah...
- E você? O que tem feito? - ele a olhou, procurando seus olhos. As pernas abertas, os cotovelos apoiados nos joelhos e o drink entre as duas mãos. A cabeça um pouco caída para o lado. Os olhos indagadores, desafiadores, de rei, de homem.
- Cantando...
- Mas você não canta. Você não sabe cantar.
- Mas eu gosto de cantar junto...
Ele riu.
- Então canta. Deixa eu ouvir você cantar.
- Não... - ela respondeu baixinho, sorrindo, as bochechas vermelhas, o cabelo caindo um pouco
- O quê? Eu não te ouvi. Você já está cantando? Eu não ouvi. - ele pôs a mão em concha no ouvido e se inclinou mais para perto.
- Eu não cantei... - ela sussurrou sem o sorriso, mas ainda olhando para o chão.
- O quê?
- Eu não... eu não cantei - ela olhou para ele, ainda com medo nos olhos, as mãos começando a tremer. Ela não olhava diretamente nos olhos dele, mas ele ainda assim podia sentir o medo saindo dela.
- Você não disse que sabe cantar? Eu quero ouvir você cantar. - a voz dele saiu dura, saiu ordem.
Ela o olhou com os músculos tesos, os olhos abertos, prevendo o que viria a seguir.
- CANTA - o rosto dele estava vermelho, os olhos arregalados, a veia no pescoço saltando. O cabelo caindo por cima da testa, a mão fechada em punho batendo na mesa de centro. Ela levantou de um pulo, o casaco de peles caiu no chão. Ela pôs a taça na mesa um pouco torta a essa altura. Ela andou até a vitrola, de costas para ele, colocou a música para tocar outra vez e começou a cantar o que sabia.
- Vira pra mim. - ela se virou com a cabeça totalmente caída, os braços ao redor do próprio corpo e continuou cantando.
- Levanta a cabeça - ela levantou rápido, mostrando o rosto preto da maquiagem que escorria com o choro silencioso e continuou cantando. Ele levantou, ela levou um susto, piscando e falhando a voz, enquanto sua cabeça se esquivava instintivamente do que ela sabia que viria a seguir.
- Dança comigo? - ela concordou com a cabeça, apertando os lábios. Ele lenta e carinhosamente segurou seus braços e começou a conduzi-la na dança.
- Você já pode parar de cantar se quiser. - a voz doce no ouvido dela. Emma suspirou e deitou a cabeça no ombro dele, aliviada.
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